(Sergio Assumpção Toledo Piza é o fundador da Programa Leilões, a primeira empresa do Sudeste do Brasil, cuja proposta inovava o sistema adotado pelos gaúchos, os precursores. Sergio foi um visionário em toda a sua vida. A partir do convite para ser seu sócio, embrenhei-me de cabeça na tarefa. Sergio faleceu há dois anos, deixando um grande legado para a pecuária brasileira. Vale a pena ler este artigo escrito por ele. O seu lazer maior eram as cavalgadas)

Tudo sobre cavalgadas - Serra da Canastra

De todas as modalidades de esporte eqüestre, a cavalgada foi a que despontou por último e ainda caminha com timidez face ao seu enorme potencial assentado na exuberante variedade de nossa ecologia e na qualidade insuperável dos animais que possuímos para esse fim.

A ocupação e a conquista de nosso território logo demonstrou aos nossos antepassados a necessidade imprescindível da parceria e colaboração de excelentes animais. Eram distâncias longas em terrenos adversos, onde esses animais teriam que ser usados como único meio de locomoção no trabalho diário, nas longas viagens, muitas vezes partilhadas com a família, no devaneio das caçadas ao veado, nos jogos de cavalhada e nas disputas de raia reta. Para tanto haveriam que ser belos, dóceis, fortes, ágeis e principalmente de bons andamentos. Assim, premidos pela necessidade e bafejados pela intuição, abnegados criadores do Sul de Minas, do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul, do Nordeste e outras regiões, nos legaram os melhores e talvez únicos animais de sela do mundo destinados hoje a cavalgadas.

Nossa natureza já é por si só prodigiosa e vista de cima de uma excelente montaria torna-se mais ainda.

O animal de sela não é caro mormente em nossos dias, mas somando ao seu preço despesas com a  manutenção, ele acaba tendo um custo.

Não há como e nem porque tentar abatê-lo, mas há como ampliar - e bastante - o seu desfrute. É isso que tentaremos fazer neste espaço que nos foi concedido. A cavalgada é um movimento ainda em formação, algumas menos numerosas outras mais, algumas de pequena, outras de grande duração. Os contornos de cada uma vão se definindo conforme a preferência de cada grupo e a região que escolherem para percorrer.

De imediato é imprescindível a elaboração de um calendário com as características de cada evento: data, local, duração, meio de acesso para cavalos e cavaleiros, custo por conta dos participantes, serviços oferecidos pelos organizadores, condições dos pernoites em pousadas ou acampamentos e tudo mais que for necessário, a fim de evitar frustrações que são sempre muito desagradáveis. Quem se propõe a cavalgar está pronto para enfrentar sacrifícios, mas não aborrecimentos.

Com a ordenação e os comentários das cavalgadas vamos conhecendo o potencial de seu universo onde com certeza haverá espaço para muita coisa, principalmente para um intercâmbio entre cavalguistas das mais diferentes e distantes regiões do nosso país e quiçá de outros também. Não queremos encerrar isto que está sendo uma apresentação de nossos propósitos, sem deixar claro que esse espaço será uma via de mão dupla onde não só queremos falar, como também ouvir o que queiram dizer nossos prezados companheiros sobre esse tema. Desfrute dos prazeres das cavalgadas.
  

Serra da Canastra, por Sergio Piza

Fica no sudoeste de Minas Gerais, próxima ao Rio Grande quando ele passa a formar os reservatórios das usinas de Peixoto e Furnas. A 35 quilômetros da cidade de São Roque de Minas uma serra enorme se levanta com seus paredões íngremes lenhando o formato de uma canastra. De cima dela o Rio São Francisco nem bem acabando de ser formado, já despenca 200 metros em queda livre dando um lindo espetáculo no local denominando Casca D’anta. Aí a origem do nome e da forma reforçada com a criação do Parque Nacional em 1972. Mas canastra não é somente o nome dessa serra. Ele denomina todo um complexo vasto e maravilhoso de serras e vales parecidos entre si mas, que guardam peculiaridades em suas formas e na vida que levam, originando denominações próprias como: Serra ou Chapadão da Canastra do Diamante, da Babilônia, da Zagaia, das Sete Voltas e tantas mais.

Essas serras as vezes se comprimem, quase encostando umas com as outras separadas apenas por paredões íngremes, formando desfiladeiros que mal permitem a passagem de estreitas e precárias estradas. Outras vezes essas serras se distanciam. Entre elas deslizam encostas mais suaves cujas terras a medida que se aproximam dos córregos são mais férteis e permitem a formação de pastagens artificiais e outras culturas. Aí se estabeleceram as primeiras fazendas de gado leiteiro, até há pouco exclusivo suporte da economia regional.

Precárias estradas de terra tentam interligação desses locais, percorrendo os vales e as encostas mais suaves das montanhas. Mas há lugares onde a transposição de um morro só pode ser feita por um exclusivo lugar, mesmo assim demasiadamente íngreme e rochoso onde a duras penas só conseguem transitar veículos altos com tração nas quatro rodas, jipes e motos. Essa dificuldade de acesso isola esses locais e limita o conhecimento de inúmeros pontos de rara beleza. Por isso eu acho que o cavalo oferece o meio mais eficiente de locomoção para quem quiser conhecer bem essa encantada região.

A cavalo se vai acompanhando a trilha do gado, atravessando córregos e subindo encostas. Distanciando das estradas fica-se livre da poeira e do ruídos dos motores dos carros e motos. A solidão imensa em que se mergulha potencializa o encontro dos olhos descortinando aquela vastidão. A gramínea nativa, rasteira e uniforme, cobre vastas extensões, parecendo um tapete enrugado, atirado a esmo no canto de um cômodo. Ás vezes ele se rompe para mostrar o paredão desnudo e compacto de rochas multicores, a sustentar o chapadão acima.

Esse cenário se engalana mais ainda com a fileira colorida dos cavaleiros, serpenteando a encosta, seguindo os guias na procura das poucas e difíceis passagens que dão acesso ao topo. É o ponto mais difícil, pondo a prova a perícia dos cavalos e cavaleiros. Uma vez transposto, é sair para o abraço, confraternizar com o grupo, pousar para as fotos. Lá de cima a beleza é tanta e tão variada que ao invés de aplacar desperta mais ainda a curiosidade.

Não basta ver de longe, a vontade é de chegar a cada ponto distante que a vista alcança. Com a parada para o almoço e descanso, começa o trajeto de retorno por caminhos diferentes, mas sempre difíceis. Aproximando-se do fim, o corpo cansado pode reduzir o ímpeto da marcha e até mesmo almejar o conforto da chegada. Mas a mente frenética não deixa de fixar até o fim, com nitidez duradoura, a lembrança de tanto encanto. 

Sergio Assumpção Toledo Piza (1927/2020)
O autor desse artigo sobre a Serra da Canastra, era um amante das cavalgadas.